JERRY LEWIS (O IDIOTA)

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“Se um homem com uma úlcera, uma farpa no dedo e um prego no pé e que foi, além disso, atingido por um raio… se você pudesse dizer que o homem não se feriu, então, sim, você poderia dizer que não estou magoado.” Dr. Julius Kelp (O professor aloprado, 1963).

A garotada de hoje provavelmente nunca deve ter ouvido falar de Jerry Lewis, mas seus avós, pais ou aquele  tio mais velho, sim. O maior símbolo vivo da comédia americana no século XX, pagou um preço muito alto por ser quem ele é. A fama de egocêntrico, vingativo, desleal, péssimo pai e marido, lhe custou vários desafetos e intrigas com companheiros de elenco. O mais conhecido dele: Dean Martin (1917-1995).

O fato é que a crítica perdoou Charles Chaplin por ser pedófilo, mas nunca perdoou o ego de Lewis. Tanto é que quando Martin abandonou a parceria de dez anos (1946 a 1956), soltou farpas contra o colega, dizendo que para Jerry, a dupla continuava, pois ele e o seu ego se completavam. Era de conhecimento de todos que Jerry Lewis tratava de tudo que fosse relacionado com a produção dos filmes da dupla, acertava o salário, ele que aprovava o roteiro, combinava os shows. Um homem inteligente e autossuficiente, que para ele  bastava um simples caixote de feira, que transformava em um palco, digno dos holofotes de Las Vegas e Atlantic City.

A parceria rendeu bons filmes, principalmente com a entrada do diretor Frank Tashlin (Sabes o que quero,1956), mais conhecido pelo trabalho com os desenhos do Pernalonga e muito bom com gag. Artistas e Modelos (1955), deu espaço para Dean Martin provar que não era Lewis que levava a dupla nas costas. O segundo filme, por ironia do destino ou não, recebeu o título aqui no Brasil de Ou vai ou racha (1956). O que rachou mesmo foi o fim da dupla, esse foi o último que Martin atuou ao lado de Jerry, foi embora e nunca mais voltou a se apresentar com o amigo. Por Lewis, eles teriam feito filmes até o fim da vida de um dos dois, já que ele não se importava com o desconforto de Dean Martin nos bastidores.

Mas até a parceira que Jerry manteve com Tashlin acabou, produziram outros bons filmes sem Martin, como Errado pra cachorro (1963) e Bagunceiro arrumadinho (1964), foram os melhores. Mas ele brilhava mesmo era solo.

Sua maior obra prima é professor aloprado (1963), que foi refilmada em 1997, com Eddie Murphy no papel principal. Era a quarta vez que Lewis atuava também como diretor. O roteiro feito por ele e Bill Richmond é uma referência ao clássico O médico e o monstro, do escritor Robert Louis Stevenson. Uma ode ao expressionismo, só que em cores. Lewis construiu uma figura amada pelas crianças, mas irritante para os adultos (os que não eram fãs). Buddy Love teria sido inspirado em duas figuras, o cantor Frank Sinatra, e a outra bem conhecida da dupla Martin & Lewis, era Dean Martin, que fazia parte do Rat Pack, junto com Sinatra. Jerry Lewis mostrou para o ex-parceiro de cena que não precisava de um galã. Por tabela colocou a sociedade americana no divã, com humor, criou uma trama sobre rejeição e auto-apreciação.

Por anos tentaram chafurdar com o nome de Jerry na lama, no caso da arrecadação de dinheiro para ajudar crianças com distrofia muscular. Ele foi acusado por alguns que receberam ajuda do programa, que parte do dinheiro ia para o bolso de Lewis. Foi criada uma comissão para investigar irregularidades, não acharam nada que comprovasse que ele era corrupto. Tem edições que o programa conseguia  levantar 50 milhões de dólares, com o dinheiro compravam cadeiras de rodas e investiam em pesquisa sobre a doença, que afeta milhares de pessoas no mundo.

Shawn Levy foi o biógrafo de Lewis no livro King of comedy _ The life and art of Jerry Lewis (1996), assim como o  personagem dele em O professor aloprado, ele mostra Lewis em duas facetas, como sendo um homem caridoso, mas cruel na intimidade. Ele expôs fatos que com certeza Lewis ficou com vontade de estrangulá-lo. Ele mantinha em sua mansão câmeras e microfones secretos em todos os compartimentos, incluindo os banheiros, menos em um quarto onde ficava os monitores de TV, em que ele via tudo o que se passava na casa.

Jerry Lewis tinha necessidade de ser amado, nem que para isso ele tivesse que comprar esse “amor”. Comprava mesmo, gostava de presentear membros da produção dos seus filmes com relógios, pulseiras e cigarreiras, tudo de ouro e com o seu nome gravado. Em troca queria bajulação e fidelidade. Mas queria ver ele virar uma fera, em uma entrevista, bastava uma pergunta de algum repórter, que não fosse do seu agrado, que ele declarava guerra ao repórter, servia até caviar e champanhe, porém, tudo tinha que sair do jeito que ele queria. Por isso guarda até hoje muita mágoa da imprensa americana. E guarda mesmo, ele tem em casa tudo que já foi publicado sobre ele na imprensa, sua lista negra deve ser quilométrica.

Ele classificava seus personagens em mais de cinqüenta filmes como sendo Idiotas, ingênuos, crianças pressas em um corpo de adulto, mesmo que hoje ele esteja esquecido, já foi o artista mais bem pago do cinema, da televisão, teatro e clubes noturnos. É muito comum que quem conhece o homem quando as luzes do palco se apagam, acusá-lo de ser um mitômano, truculento, viciado, corrupto, infiel e paranóico. Lewis dentro e fora das telas é uma figura avassaladora, com o poder de ser detestável e gênio ao mesmo tempo. Os fãs o idolatram, já a crítica o odeia. Ele sempre será meio Jekyll e Hyde. Ame ou deixe.